Uma empresa brasileira não faz uma oferta pública de ações (IPO, na sigla em inglês) desde dezembro de 2021, quando o Nubank se listou na Bolsa de Nova York (Nyse) e na B3. Ou seja, faltam poucos meses para o mercado brasileiro completar uma seca recorde de quatro anos sem novas companhias chegando.
Alguns sinais encorajadores, porém, começam a aparecer timidamente. Com a percepção de que o ciclo de alta da Selic chegou em um pico e que um processo de baixa de juros virá em algum momento perto da virada do ano, uma janela para novas ofertas pode eventualmente se abrir.
Como o Valor vem mostrando, os nomes apontados para serem o abre-alas do mercado são de empresas grandes, de setores tradicionais, como a companhia de saneamento Aegea, a distribuidora de gás Compass, a Votorantim Cimentos e a varejista de pneus Cantu. Mas a melhora recente no segmento de tecnologia tem acendido uma luz no fim do túnel, especialmente para as fintechs brasileiras.
Durante a Brazilian Week, em Nova York, na semana passada, diversos CEOs de fintechs circularam por dezenas de salas de conferências, reunindo-se com especialistas, banqueiros de investimento e, mais importante, investidores. Neste contexto, alguns nomes de fintechs começam a despontar. A lista inclui nomes como PicPay, Cloudwalk, Agibank e Neon, entre outros.
Durante o evento Latin America Private Tech Trailblazers Summit, promovido pelo Bank of America, Augusto Urmeneta, presidente do BofA para América Latina, expressou otimismo com o segmento “tech”. Ele lembrou que nas últimas semanas houve uma rotação das empresas americanas (as “Sete Maganíficas”), para companhias de outras regiões, inclusive da América Latina. “As coisas estão mudando, há uma rotação. As techs latinas ficaram muito baratas para ignorar.”
Bruno Diniz, especialista em inovação e sócio da consultoria Spiralem, comenta que a alta de juros e, mais recentemente, a guerra tarifária nos EUA fecharam a janela para IPOs. Mas esse cenário começa a mudar e pode se mostrar mais aquecido em 2026, com notícias de ofertas de empresas internacionais como Chime, Monzo, Revolut, Klarna, entre outras.
“Em geral, para IPOs são empresas que estão em um nível de maturidade maior, já levantaram várias rodadas privadas de aporte. E acaba sendo de alguma forma relevante quando as fintechs conseguem ter operações também fora do Brasil, sobretudo para listagens internacionais, como boa parte dessas companhias têm mirado”, comenta.
Ele lembra ainda que, com uma maior escassez de capital, fundos de venture capital também vêm nos últimos anos pressionando para que suas investidas não fiquem só focadas em crescimento e mirem o lucro. “Esse elemento também pode ser eventualmente visto em processos novos de IPO. Se antes aconteciam IPOs de empresas só focadas em ”growth” e que davam prejuízo, entendo que o mercado vai olhar isso de uma forma diferente.”
Em relatório recente, a Fitch aponta que os bancos digitais latino-americanos estão com perspectivas de crescimento significativas, com foco em segmentos de varejo e PMEs (pequenas e médias empresas) mal atendidos e indivíduos que buscam experiências aprimoradas para o cliente. “No Brasil, os reguladores adotaram a inovação, permitindo que novas empresas menores aumentem a concorrência e promovam a ideia de que um número maior de participantes do mercado pode oferecer melhores serviços. […] Os países da América Latina estão dando passos significativos no desenvolvimento tecnológico, com o Brasil liderando a indústria de tecnologia da região e ostentando uma infraestrutura bem desenvolvida, com ênfase em comércio eletrônico e conectividade móvel.”
Dentre as fintechs, a que estaria mais perto de um eventual IPO é o PicPay. Com mais de 60 milhões de contas, em agosto do ano passado a companhia começou a contratar o sindicato de bancos para preparar sua abertura de capital nos Estados Unidos, liderado pelo Citi, mas a oferta acabou não indo para frente naquele momento. A empresa é controlada pela hplding J&F, da família Batista, que neste exato momento está promovendo a listagem de outra empresa sua, a JBS, nos EUA.
Em março, na divulgação dos resultados de 2024, o Valor questionou o CEO da PicPay, Eduardo Chedid, sobre o potencial IPO. Ele reforçou que esse plano está no radar, mas que era preciso esperar uma janela de mercado mais propícia. “Temos construído uma história de resultados crescentes e relevantes, mas também não temos pressa [para o IPO].”
Também na dianteira da lista está a Cloudwalk, dona das maquininhas InfinitePay. O CEO e fundador, Luis Silva, já mencionou diversas vezes os planos de um IPO, possivelmente este ano. Em fevereiro, ao Valor, comentou porém que uma oferta pública não estava nos planos nos próximos anos. “Estamos gerando bastante caixa, mas também investindo bastante. Se formos fazer um IPO, será fora do Brasil, mas por enquanto não está no nosso radar.”
O mercado, entretanto, esquentou desde então. Procurada, a Cloudwalk disse que não está olhando para este tema no planejamento de curto prazo. “Seguimos acompanhando de perto o cenário macro e estamos prontos para avaliar internamente as oportunidades nesse sentido. A CloudWalk segue crescendo de forma consistente e financeiramente forte, cruzando a marca de US$ 1 bilhão em receita anualizada, com um crescimento de 90% ano contra ano.”
Um pouco menos prontas, mas ainda assim na fila para um potencial IPO, estão nomes como Agibank e Neon. O Agibank, em outubro do ano passado, contratou o Goldman Sachs para a venda de uma fatia minoritária, enquando a janela de IPOs não se abria. Acabou recebendo dois meses depois um aporte de R$ 400 milhões realizado pelo recém-criado fundo de private equity de Daniel Goldberg, a Lumina Capital Management, e foi avaliado em R$ 9,3 bilhões.
Procurado, o Agibank afirmou que “acompanha de forma permanente a evolução do mercado e mantém o foco em iniciativas que fortaleçam sua estratégia de crescimento sustentável e geração de valor no longo prazo.”
Já o Neon, um dos mais antigos bancos digitais do Brasil, fundado em 2016, atingiu o “breakeven” — momento em que uma empresa zera o prejuízo e passa a dar lucro — no fim do ano passado. A instituição chegou a 32 milhões de clientes, com uma carteira de crédito de R$ 6 bilhões, com cartão, empréstimo pessoal e consignado.
Questionado pela reportagem, o Neon afirmou que considera o IPO um passo natural na trajetória de crescimento. “No momento, a empresa segue com foco em servir ainda melhor o trabalhador brasileiro, consolidando sua operação e expandindo a base com lucro sustentável. A empresa segue também fortalecendo a governança e os processos com o objetivo de estar preparada para capturar boas oportunidades no mercado de capitais.”
Entre outras potenciais fintechs candidatas a um IPO estão nomes como Creditas e Ebanx. A Creditas reportou prejuízo ajustado de R$ 106,3 milhões em 2024, 72,5% melhor que o rombo de R$ 386,2 milhões em 2023. A companhia havia atingido o “breakeven” no fim de 2023, mas reacelerou o crescimento, o que afetou o resultado final. O lucro bruto foi de R$ 889 milhões, com expansão de 44,8%.
O fundador, o espanhol Sergio Furo, já mencionou anos atrás a possibilidade de abrir o capital. Procurada, a empresa ainda não se manifestou.
Já o Ebanx chegou a protocolar um pedido sigiloso de IPO nos EUA em 2021, que poderia avaliá-lo em quase US$ 10 bilhões. Entretanto, com a queda de valor de mercado das companhias com forte viés tecnológico alguns meses depois, o plano foi colocado na gaveta.
Nascido em Curitiba (PR), em 2012, o Ebanx atua em 29 países da América Latina e África, além da Índia, com mais de uma centena de métodos de pagamentos e mesmo número de parceiros locais. Procurado, o Ebanx não quis comentar.
Outros nomes de fintechs, mas que ainda correm por fora, são QI Tech, Dock e OpenCo. No C6, o fundador e CEO Marcelo Kalim chegou a prever um IPO em 2021, mas agora diz que essa possibilidade não está na mesa. “Estou cada vez mais convencido dos benefícios de permanecer como uma empresa de capital fechado. Não tenho absolutamente nenhuma intenção de ir por esse caminho.”
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Uma empresa brasileira não faz uma oferta pública de ações (IPO, na sigla em inglês) desde dezembro de 2021, quando o Nubank se listou na Bolsa de Nova York (Nyse) e na B3. Ou seja, faltam poucos meses para o mercado brasileiro completar uma seca recorde de quatro anos sem novas companhias chegando.
Alguns sinais encorajadores, porém, começam a aparecer timidamente. Com a percepção de que o ciclo de alta da Selic chegou em um pico e que um processo de baixa de juros virá em algum momento perto da virada do ano, uma janela para novas ofertas pode eventualmente se abrir.
Como o Valor vem mostrando, os nomes apontados para serem o abre-alas do mercado são de empresas grandes, de setores tradicionais, como a companhia de saneamento Aegea, a distribuidora de gás Compass, a Votorantim Cimentos e a varejista de pneus Cantu. Mas a melhora recente no segmento de tecnologia tem acendido uma luz no fim do túnel, especialmente para as fintechs brasileiras.
Durante a Brazilian Week, em Nova York, na semana passada, diversos CEOs de fintechs circularam por dezenas de salas de conferências, reunindo-se com especialistas, banqueiros de investimento e, mais importante, investidores. Neste contexto, alguns nomes de fintechs começam a despontar. A lista inclui nomes como PicPay, Cloudwalk, Agibank e Neon, entre outros.
Durante o evento Latin America Private Tech Trailblazers Summit, promovido pelo Bank of America, Augusto Urmeneta, presidente do BofA para América Latina, expressou otimismo com o segmento “tech”. Ele lembrou que nas últimas semanas houve uma rotação das empresas americanas (as “Sete Maganíficas”), para companhias de outras regiões, inclusive da América Latina. “As coisas estão mudando, há uma rotação. As techs latinas ficaram muito baratas para ignorar.”
Bruno Diniz, especialista em inovação e sócio da consultoria Spiralem, comenta que a alta de juros e, mais recentemente, a guerra tarifária nos EUA fecharam a janela para IPOs. Mas esse cenário começa a mudar e pode se mostrar mais aquecido em 2026, com notícias de ofertas de empresas internacionais como Chime, Monzo, Revolut, Klarna, entre outras.
“Em geral, para IPOs são empresas que estão em um nível de maturidade maior, já levantaram várias rodadas privadas de aporte. E acaba sendo de alguma forma relevante quando as fintechs conseguem ter operações também fora do Brasil, sobretudo para listagens internacionais, como boa parte dessas companhias têm mirado”, comenta.
Ele lembra ainda que, com uma maior escassez de capital, fundos de venture capital também vêm nos últimos anos pressionando para que suas investidas não fiquem só focadas em crescimento e mirem o lucro. “Esse elemento também pode ser eventualmente visto em processos novos de IPO. Se antes aconteciam IPOs de empresas só focadas em ”growth” e que davam prejuízo, entendo que o mercado vai olhar isso de uma forma diferente.”
Em relatório recente, a Fitch aponta que os bancos digitais latino-americanos estão com perspectivas de crescimento significativas, com foco em segmentos de varejo e PMEs (pequenas e médias empresas) mal atendidos e indivíduos que buscam experiências aprimoradas para o cliente. “No Brasil, os reguladores adotaram a inovação, permitindo que novas empresas menores aumentem a concorrência e promovam a ideia de que um número maior de participantes do mercado pode oferecer melhores serviços. […] Os países da América Latina estão dando passos significativos no desenvolvimento tecnológico, com o Brasil liderando a indústria de tecnologia da região e ostentando uma infraestrutura bem desenvolvida, com ênfase em comércio eletrônico e conectividade móvel.”
Dentre as fintechs, a que estaria mais perto de um eventual IPO é o PicPay. Com mais de 60 milhões de contas, em agosto do ano passado a companhia começou a contratar o sindicato de bancos para preparar sua abertura de capital nos Estados Unidos, liderado pelo Citi, mas a oferta acabou não indo para frente naquele momento. A empresa é controlada pela hplding J&F, da família Batista, que neste exato momento está promovendo a listagem de outra empresa sua, a JBS, nos EUA.
Em março, na divulgação dos resultados de 2024, o Valor questionou o CEO da PicPay, Eduardo Chedid, sobre o potencial IPO. Ele reforçou que esse plano está no radar, mas que era preciso esperar uma janela de mercado mais propícia. “Temos construído uma história de resultados crescentes e relevantes, mas também não temos pressa [para o IPO].”
Também na dianteira da lista está a Cloudwalk, dona das maquininhas InfinitePay. O CEO e fundador, Luis Silva, já mencionou diversas vezes os planos de um IPO, possivelmente este ano. Em fevereiro, ao Valor, comentou porém que uma oferta pública não estava nos planos nos próximos anos. “Estamos gerando bastante caixa, mas também investindo bastante. Se formos fazer um IPO, será fora do Brasil, mas por enquanto não está no nosso radar.”
O mercado, entretanto, esquentou desde então. Procurada, a Cloudwalk disse que não está olhando para este tema no planejamento de curto prazo. “Seguimos acompanhando de perto o cenário macro e estamos prontos para avaliar internamente as oportunidades nesse sentido. A CloudWalk segue crescendo de forma consistente e financeiramente forte, cruzando a marca de US$ 1 bilhão em receita anualizada, com um crescimento de 90% ano contra ano.”
Um pouco menos prontas, mas ainda assim na fila para um potencial IPO, estão nomes como Agibank e Neon. O Agibank, em outubro do ano passado, contratou o Goldman Sachs para a venda de uma fatia minoritária, enquando a janela de IPOs não se abria. Acabou recebendo dois meses depois um aporte de R$ 400 milhões realizado pelo recém-criado fundo de private equity de Daniel Goldberg, a Lumina Capital Management, e foi avaliado em R$ 9,3 bilhões.
Procurado, o Agibank afirmou que “acompanha de forma permanente a evolução do mercado e mantém o foco em iniciativas que fortaleçam sua estratégia de crescimento sustentável e geração de valor no longo prazo.”
Já o Neon, um dos mais antigos bancos digitais do Brasil, fundado em 2016, atingiu o “breakeven” — momento em que uma empresa zera o prejuízo e passa a dar lucro — no fim do ano passado. A instituição chegou a 32 milhões de clientes, com uma carteira de crédito de R$ 6 bilhões, com cartão, empréstimo pessoal e consignado.
Questionado pela reportagem, o Neon afirmou que considera o IPO um passo natural na trajetória de crescimento. “No momento, a empresa segue com foco em servir ainda melhor o trabalhador brasileiro, consolidando sua operação e expandindo a base com lucro sustentável. A empresa segue também fortalecendo a governança e os processos com o objetivo de estar preparada para capturar boas oportunidades no mercado de capitais.”
Entre outras potenciais fintechs candidatas a um IPO estão nomes como Creditas e Ebanx. A Creditas reportou prejuízo ajustado de R$ 106,3 milhões em 2024, 72,5% melhor que o rombo de R$ 386,2 milhões em 2023. A companhia havia atingido o “breakeven” no fim de 2023, mas reacelerou o crescimento, o que afetou o resultado final. O lucro bruto foi de R$ 889 milhões, com expansão de 44,8%.
O fundador, o espanhol Sergio Furo, já mencionou anos atrás a possibilidade de abrir o capital. Procurada, a empresa ainda não se manifestou.
Já o Ebanx chegou a protocolar um pedido sigiloso de IPO nos EUA em 2021, que poderia avaliá-lo em quase US$ 10 bilhões. Entretanto, com a queda de valor de mercado das companhias com forte viés tecnológico alguns meses depois, o plano foi colocado na gaveta.
Nascido em Curitiba (PR), em 2012, o Ebanx atua em 29 países da América Latina e África, além da Índia, com mais de uma centena de métodos de pagamentos e mesmo número de parceiros locais. Procurado, o Ebanx não quis comentar.
Outros nomes de fintechs, mas que ainda correm por fora, são QI Tech, Dock e OpenCo. No C6, o fundador e CEO Marcelo Kalim chegou a prever um IPO em 2021, mas agora diz que essa possibilidade não está na mesa. “Estou cada vez mais convencido dos benefícios de permanecer como uma empresa de capital fechado. Não tenho absolutamente nenhuma intenção de ir por esse caminho.”
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