A ameaça de uma extensão do conflito entre Israel, Estados Unidos e Irã por todo o Oriente Médio pode interromper por algum tempo a reavaliação dos ativos globais em curso, depois que Donald Trump assumiu a Presidência e declarou guerra tarifária ao mundo. Aos poucos, esboçaram-se tendências que têm beneficiado o Brasil: por exemplo, a perda de valor do dólar e o menor diferencial de risco entre ativos americanos e bônus emergentes, que favorece os papéis brasileiros. Uma interrupção demorada do fluxo de petróleo no Oriente Médio no Estreito de Ormuz ou confrontos armados envolvendo mais países da região tendem a mitigar as mudanças, embora possam também não ser capazes de detê-las em médio e longo prazos.
Não se trata apenas da recomposição dos fluxos de capital externo em portfólio, observada com mais clareza após o dia 2 de abril, “o dia da libertação” em que Trump impôs suas tarifas “recíprocas”, depois suspensas até 9 de julho. A megadesvalorização do dólar, auxiliada pela elevação dos preços dos alimentos, jogou o IPCA para muito longe da meta de 3% e o índice ainda permanece lá (5,32% nos 12 meses encerrados em maio). A perda de valor do dólar, depois do festival tarifário perturbador de Trump, prosseguiu até nos últimos dias, mesmo diante de um acirramento grave do conflito entre Irã e Israel e o auxílio dos EUA nos bombardeios sobre os centros nucleares iranianos. O real tem sido a moeda com melhor desempenho nas últimas semanas, com a desvalorização pouco superior a 10% até sexta-feira. O auxílio para a queda do IPCA é sensível.
Esse movimento de valorização, segundo grandes bancos, deve continuar (Valor, ontem). O francês Societé Générale, por exemplo, estima que o dólar poderá fechar o ano cotado a R$ 5,20, com possibilidades de recuar até R$ 5. O Bank of America (BofA) chegou há algum tempo a estimar que o real estava subvalorizado em 20%, a maior diferença em relação à tendência entre as moedas latino-americanas. A instituição aposta em posições “vendidas” (queda do dólar) e tem como alvo a cotação de R$ 5. Alguns dos motivos apontados mostram mudança em relação ao passado, e ela atende pelo nome de Trump. Suas ameaças, inclusive a de taxar no mercado americano investidores de países que não “tratem bem” os interesses dos Estados Unidos, consolidaram entre parte dos especialistas a percepção de que o país está deixando de ser um refúgio tão seguro para o qual aportavam os investimentos em caso de crises graves ou turbulências financeiras iminentes.
Um reflexo da guinada foi a desvalorização do dólar, que, diante de cesta de moedas fortes, declinou 8,95% até sexta-feira. A instabilidade criada pelo unilateralismo protecionista de Trump provocou outra clivagem em relação ao passado. Os títulos do Tesouro, papéis dos mais seguros do mundo, passaram também a perder valor, e seus juros, a subir, quando em praticamente todas as outras crises eram disputados e seus preços cresciam. Mesmo o mercado acionário europeu, uma região que flerta com a estagnação, tem mostrado desempenho mais vigoroso que o dos EUA desde abril.
A firmeza do Banco Central do Brasil em elevar a taxa de juros para 15% e sua disposição de mantê-la por um período prolongado reforçaram a permanência do diferencial de juros muito alto em relação aos EUA e outros países — a taxa é a segunda maior do mundo e a conta pública de juros em relação ao PIB, a maior —, facilitando as operações de carry trade. Nelas, investidores captam recursos em mercados onde os juros são muito baixos e os aplicam naqueles em que estão elevados, caso do Brasil. A necessidade de diversificar ativos para fora dos papéis americanos melhorou a posição relativa dos títulos emergentes, como o Brasil, que tem apresentado risco de calote menor do que antes de Trump assumir.
Um sinal disso é a volta das aplicações em fundos de bônus emergentes, de onde tinham fugido até pouco depois de 2 de abril, quando os saques superaram as captações — hoje, assiste-se ao movimento inverso (Valor, ontem). “O cenário de dólar mais fraco e commodities estáveis é positivo para emergentes, e o estrangeiro voltou a comprar”, diz Nikolau Miller, sócio da gestora JGP. Mesmo empresas americanas de bons rendimentos tiveram o valor de seus títulos reduzido, melhorando o diferencial relativo de empresas e títulos brasileiros, segundo a gestora Ibiuna.
O ponto vulnerável da atratividade brasileira nesse cenário é a fragilidade fiscal. Há bancos que apostam na desvalorização forte do real durante o período eleitoral, se o governo Lula ampliar os gastos para se reeleger. Em ambiente em que o favorito na corrida eleitoral apontasse consolidação fiscal, o dólar poderia cair a R$ 4,80, supõe o BTG. Ou pode ir a R$ 5,90 no caso de farras fiscais eleitorais, estima o Wells Fargo.
Ainda com cenário externo extremamente instável, há ventos favoráveis ao afluxo de capital externo. As perspectivas positivas levam em conta que as contas públicas não vão se deteriorar muito mais. As pessimistas, que sim. Isso dá ideia da importância do equilíbrio fiscal e de quanto seria mais vantajoso para o país tirar melhor proveito de momentos oportunos se tivesse feito ajuste eficaz e convincente.
A ameaça de uma extensão do conflito entre Israel, Estados Unidos e Irã por todo o Oriente Médio pode interromper por algum tempo a reavaliação dos ativos globais em curso, depois que Donald Trump assumiu a Presidência e declarou guerra tarifária ao mundo. Aos poucos, esboçaram-se tendências que têm beneficiado o Brasil: por exemplo, a perda de valor do dólar e o menor diferencial de risco entre ativos americanos e bônus emergentes, que favorece os papéis brasileiros. Uma interrupção demorada do fluxo de petróleo no Oriente Médio no Estreito de Ormuz ou confrontos armados envolvendo mais países da região tendem a mitigar as mudanças, embora possam também não ser capazes de detê-las em médio e longo prazos.
Não se trata apenas da recomposição dos fluxos de capital externo em portfólio, observada com mais clareza após o dia 2 de abril, “o dia da libertação” em que Trump impôs suas tarifas “recíprocas”, depois suspensas até 9 de julho. A megadesvalorização do dólar, auxiliada pela elevação dos preços dos alimentos, jogou o IPCA para muito longe da meta de 3% e o índice ainda permanece lá (5,32% nos 12 meses encerrados em maio). A perda de valor do dólar, depois do festival tarifário perturbador de Trump, prosseguiu até nos últimos dias, mesmo diante de um acirramento grave do conflito entre Irã e Israel e o auxílio dos EUA nos bombardeios sobre os centros nucleares iranianos. O real tem sido a moeda com melhor desempenho nas últimas semanas, com a desvalorização pouco superior a 10% até sexta-feira. O auxílio para a queda do IPCA é sensível.
Esse movimento de valorização, segundo grandes bancos, deve continuar (Valor, ontem). O francês Societé Générale, por exemplo, estima que o dólar poderá fechar o ano cotado a R$ 5,20, com possibilidades de recuar até R$ 5. O Bank of America (BofA) chegou há algum tempo a estimar que o real estava subvalorizado em 20%, a maior diferença em relação à tendência entre as moedas latino-americanas. A instituição aposta em posições “vendidas” (queda do dólar) e tem como alvo a cotação de R$ 5. Alguns dos motivos apontados mostram mudança em relação ao passado, e ela atende pelo nome de Trump. Suas ameaças, inclusive a de taxar no mercado americano investidores de países que não “tratem bem” os interesses dos Estados Unidos, consolidaram entre parte dos especialistas a percepção de que o país está deixando de ser um refúgio tão seguro para o qual aportavam os investimentos em caso de crises graves ou turbulências financeiras iminentes.
Um reflexo da guinada foi a desvalorização do dólar, que, diante de cesta de moedas fortes, declinou 8,95% até sexta-feira. A instabilidade criada pelo unilateralismo protecionista de Trump provocou outra clivagem em relação ao passado. Os títulos do Tesouro, papéis dos mais seguros do mundo, passaram também a perder valor, e seus juros, a subir, quando em praticamente todas as outras crises eram disputados e seus preços cresciam. Mesmo o mercado acionário europeu, uma região que flerta com a estagnação, tem mostrado desempenho mais vigoroso que o dos EUA desde abril.
A firmeza do Banco Central do Brasil em elevar a taxa de juros para 15% e sua disposição de mantê-la por um período prolongado reforçaram a permanência do diferencial de juros muito alto em relação aos EUA e outros países — a taxa é a segunda maior do mundo e a conta pública de juros em relação ao PIB, a maior —, facilitando as operações de carry trade. Nelas, investidores captam recursos em mercados onde os juros são muito baixos e os aplicam naqueles em que estão elevados, caso do Brasil. A necessidade de diversificar ativos para fora dos papéis americanos melhorou a posição relativa dos títulos emergentes, como o Brasil, que tem apresentado risco de calote menor do que antes de Trump assumir.
Um sinal disso é a volta das aplicações em fundos de bônus emergentes, de onde tinham fugido até pouco depois de 2 de abril, quando os saques superaram as captações — hoje, assiste-se ao movimento inverso (Valor, ontem). “O cenário de dólar mais fraco e commodities estáveis é positivo para emergentes, e o estrangeiro voltou a comprar”, diz Nikolau Miller, sócio da gestora JGP. Mesmo empresas americanas de bons rendimentos tiveram o valor de seus títulos reduzido, melhorando o diferencial relativo de empresas e títulos brasileiros, segundo a gestora Ibiuna.
O ponto vulnerável da atratividade brasileira nesse cenário é a fragilidade fiscal. Há bancos que apostam na desvalorização forte do real durante o período eleitoral, se o governo Lula ampliar os gastos para se reeleger. Em ambiente em que o favorito na corrida eleitoral apontasse consolidação fiscal, o dólar poderia cair a R$ 4,80, supõe o BTG. Ou pode ir a R$ 5,90 no caso de farras fiscais eleitorais, estima o Wells Fargo.
Ainda com cenário externo extremamente instável, há ventos favoráveis ao afluxo de capital externo. As perspectivas positivas levam em conta que as contas públicas não vão se deteriorar muito mais. As pessimistas, que sim. Isso dá ideia da importância do equilíbrio fiscal e de quanto seria mais vantajoso para o país tirar melhor proveito de momentos oportunos se tivesse feito ajuste eficaz e convincente.