Pai, lembro do dia que rimos de doer a barriga naquele velho hotel na montanha, cheia de neve, porque você tentou acender a lareira do quarto.
Lembro do dia em que colamos uma cruz centenária de porcelana do seu amigo famoso com muito cuspe e pó de cappuccino, enquanto riamos de tanta meninice.
Lembro dos muitos jantares com a luz baixa na sala, quibe de forno, limão, risadas e boas conversas sobre a vida.
Lembro daquele um ano de natação na Água Mineral, as 6h da manhã, para curar a minha insistente asma que teimava em me acompanhar e continua teimando.
Lembro das gargalhadas pelas tatuagens feitas na madrugada fria, e o fato de não lembrarmos no dia seguinte.
Lembro da viagem com o carro emprestado, todo furado a bala, para que pudéssemos visitar minha avó Native, a mulher mais doce do mundo.
Lembro do almoço num pé sujo, em São Paulo, com aquele senador que viraria presidente anos mais tarde, e que só falava de mulher.
Lembro dos almoços com o comediante mais famoso do Brasil, quando riamos das piadas que ele contava nas horas de lazer, sempre para nos divertir.
Lembro da injeção que você me aplicou no braço no deque daquele barco velho quando, em mais uma crise asmática, precisei de remédios fortes.
Lembro do orgulho que senti quando soube que você realizou a única greve contra a ditadura no ano de 1972, parando o curso de medicina e uma universidade pública inteira durante o regime.
Lembro quando você, dia desses, levou a mim, seus netos Mariana e Daniel e Queren para o alto mar ver baleias.
Lembro de você nos levar – Vladimir e eu – ainda crianças no carnaval de rua, e as risadas que dávamos de suas fantasias de odalisca.
Lembro muito de você ensinando Vladimir e eu, nas férias escolares da década de 80, a subirmos o prato do Congresso Nacional até lá em cima.
Pai, lembro que naquela época você dizia que a democracia brasileira estava menos em risco do que agora, quando seres das trevas defendem a tortura como prática política.
Lembro que naqueles dias de conversas profundas sobre o regime militar tive a certeza de que a coragem é uma de suas mais marcantes qualidades, mesmo esquecido numa solitária.
Lembro de você descer 10 metros de profundidade no mar e voltar com estrelas e ouriços nas mãos, no fôlego do peito – esse peito que nos trouxe até aqui.
Lembro de você nos levar para conhecer um bebê gordinho, o mais lindo que eu tinha visto, e que era o nosso irmão João Pedro.
Obrigado por ensinar que cada segundo vale viver, mesmo os mais adversos e dolorosos. E que a busca pelos dias bons é o que mais importa na vida. Temos buscado viver os nossos.
Feliz 75! Te amo. Te amamos.
