Duas variedades costumam ser as “cepas desejo” de nove entre dez enólogos de todo o mundo, são elas: Pinot Noir e Nebbiolo. A francesa Pinot Noir é responsável pelos grandes vinhos da Borgonha, os mais caros do mundo, e a italiana Nebbiolo, da região do Piemonte, produz os icônicos Barolos. Por aqui, desde os anos 1970, pequenos produtores, boa parte deles descendente de italianos, produzem em pequena escala vinhos com a Nebbiolo. Em 1983, o saudoso Guia 4 Rodas, da Editora Abril, chegou a dar ao vinho produzido pela Adega Medieval, o título de “melhor tinto brasileiro” (sim, era um autêntico Nebbiolo nacional). Muito mosto se passou por esses barris nos últimos 40 anos e a qualidade de viniviticultura daqui deslanchou. A boa notícia aos “nebbiolo lovers” é que o país tem se tornado um território digno de nota desse tipo de vinho. Vários viticultores investiram seriamente nessa produção, principalmente no Rio Grande do Sul. Em testes às cegas, acredite, o resultado desse esforço é capaz de confundir alguns sommeliers italianos experientes. Sim, quem diria, nesse ritmo, um dia o Brasil pode virar também a pátria dos Nebbiolos.
De acordo com a presidente da Associação Brasileira de Sommeliers do Rio Grande do Sul (ABS-RS), Caroline Dani, um dos melhores terroirs para o cultivo dessa espécie é a Serra do Sudeste, noroeste do Rio Grande do Sul, mais especificamente no município de Encruzilhada do Sul. “Ali há prevalência do solo argilo-arenoso, que é ideal para a Nebbiolo. A argila faz que haja boa drenagem e areia mantém o terreno fresco, exigências dessa espécie. Além disso, a região tem o menor índice pluviométrico e uma grande amplitude térmica”, explica ela.
Quem comanda no momento uma verdadeira revolução por lá é a Manus Vinhos e Vinhas. Graças a uma parceria público privada com a Embrapa, a vinícola está conduzindo estudos de solo meticulosos, a fim de parcelar uma área de plantio de uvas com uma especificidade ímpar, o que se denomina “viticultura de precisão”. Dessa forma, é possível produzir um Chardonnay só com frutas de um determinado bloco do vinhedo, que recebem determinada insolação, daquele pedaço de solo com determinadas características — e assim por diante. A técnica abriu as portas para uma nova geração de Nebbiolos nacionais.
Diogo Bertoli, sócio da vinícola, conta que este vinhedo, plantado há cerca de 25 anos, é o provedor de boa parte das mudas dos produtores de Nebbiolo da região, como a Lídio Carraro, por exemplo. Outro grande benefício de tamanho empenho no estudo do vinhedo é que eles já conseguiram reduzir em 70% o uso de agro-defensivos nos vinhos da safra 2022 e, na de 2025, acabam de colher o primeiro Nebbiolo biológico da região (zero veneno), que será vinificado com leveduras autóctones, ou seja com fermento não industrializado, mas sim cultivado na própria vinícola. “O Nebbiolo deles é um dos melhores, senão o melhor do país”, reconhece o chef francês Benoit Manthurin, do Esther Rooftop, restaurante que se orgulha de ter uma carta de vinhos 100% do Brasil. “Respeito muito o trabalho de estudo de solos que os irmão Gustavo e Diogo estão conduzindo, com isso tenho a impressão que em 10 anos serão a vinícola mais importante daqui”, profetiza Benoit.
Provei a safra 2022 do Manus Nebbiolo Clássico e realmente ele tem a acidez que se espera da casta, e que anuncia que o vinho pode ter bons anos de guarda. Além disso, possui uma cor mais leve, delicadíssima, e uma persistência surpreendente. Tem no nariz algo de pitanga, que talvez dê um tom tropicalizado ao vinho, mas os 12 meses de carvalho francês de terceiro uso e os 14,5% de álcool estão tão bem integrados — são de uma sutiliza digna de serem notados. Um grande vinho, em resumo.

A PRIMEIRA AVALIAÇÃO NACIONAL
Outro grupo de “nebbiolo lovers” formando por 20 pessoas, entre eles produtores, técnicos e professores de enologia como Eduardo Giovannini, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia, reuniram-se com o intuito de fazer a primeira avaliação nacional da variedade no Brasil. Foram degustadas às cegas 18 amostras enviadas pelos vinícolas do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. O evento seguiu os padrões de concursos internacionais, a partir das normas da Organização Internacional da Uva e do Vinho (OIV), adotadas também pela Federazione Italiana Sommelier Albergatori e Ristoratori (Fisar) e Associação Brasileira de Sommelier (ABS).
O resultado foi uma medalha gran ouro para o vinho Corvos Anjos 2028, da Vinícola Quinta Barroca da Tília, a de ouro foi para Barone 2020, da Vinícola San Michele, e a de prata para o Nebbiolo Fontanari 2028, da Vinícola Fontanari. Os vinhos feitos pela uva famosa por ser geniosa de se cultivar, batizada porque em sua região de origem há uma “nebbia”, névoa ao amanhecer que a protege dos primeiros raios de sol e assim permite que sua maturação seja lenta e tardia, não são baratos. Os valores raramente são inferiores a R$ 200 e podem chegar a mais de R$ 500. No entanto, deixo aqui um importante aviso, prová-la pode ser um caminho sem volta.
Para quem quer buscar vinícolas brasileiras produtoras dessa casta tão especiais, uma boa fonte é o site Brasil de Vinhos, da jornalista Lúcia Porto, uma ativista do vinho nacional. Nele, há uma ferramenta de busca pelo tipo de uva, que é um verdadeiro passeio. Outra ótima fonte é o Guia Adega Brasil 2025, que separa as vinícolas por região e depois analisa e pontua os vinhos. Boa parte das vinícolas tem loja virtual e entrega em todo país.
Saúde!
Duas variedades costumam ser as “cepas desejo” de nove entre dez enólogos de todo o mundo, são elas: Pinot Noir e Nebbiolo. A francesa Pinot Noir é responsável pelos grandes vinhos da Borgonha, os mais caros do mundo, e a italiana Nebbiolo, da região do Piemonte, produz os icônicos Barolos. Por aqui, desde os anos 1970, pequenos produtores, boa parte deles descendente de italianos, produzem em pequena escala vinhos com a Nebbiolo. Em 1983, o saudoso Guia 4 Rodas, da Editora Abril, chegou a dar ao vinho produzido pela Adega Medieval, o título de “melhor tinto brasileiro” (sim, era um autêntico Nebbiolo nacional). Muito mosto se passou por esses barris nos últimos 40 anos e a qualidade de viniviticultura daqui deslanchou. A boa notícia aos “nebbiolo lovers” é que o país tem se tornado um território digno de nota desse tipo de vinho. Vários viticultores investiram seriamente nessa produção, principalmente no Rio Grande do Sul. Em testes às cegas, acredite, o resultado desse esforço é capaz de confundir alguns sommeliers italianos experientes. Sim, quem diria, nesse ritmo, um dia o Brasil pode virar também a pátria dos Nebbiolos.
De acordo com a presidente da Associação Brasileira de Sommeliers do Rio Grande do Sul (ABS-RS), Caroline Dani, um dos melhores terroirs para o cultivo dessa espécie é a Serra do Sudeste, noroeste do Rio Grande do Sul, mais especificamente no município de Encruzilhada do Sul. “Ali há prevalência do solo argilo-arenoso, que é ideal para a Nebbiolo. A argila faz que haja boa drenagem e areia mantém o terreno fresco, exigências dessa espécie. Além disso, a região tem o menor índice pluviométrico e uma grande amplitude térmica”, explica ela.
Quem comanda no momento uma verdadeira revolução por lá é a Manus Vinhos e Vinhas. Graças a uma parceria público privada com a Embrapa, a vinícola está conduzindo estudos de solo meticulosos, a fim de parcelar uma área de plantio de uvas com uma especificidade ímpar, o que se denomina “viticultura de precisão”. Dessa forma, é possível produzir um Chardonnay só com frutas de um determinado bloco do vinhedo, que recebem determinada insolação, daquele pedaço de solo com determinadas características — e assim por diante. A técnica abriu as portas para uma nova geração de Nebbiolos nacionais.
Diogo Bertoli, sócio da vinícola, conta que este vinhedo, plantado há cerca de 25 anos, é o provedor de boa parte das mudas dos produtores de Nebbiolo da região, como a Lídio Carraro, por exemplo. Outro grande benefício de tamanho empenho no estudo do vinhedo é que eles já conseguiram reduzir em 70% o uso de agro-defensivos nos vinhos da safra 2022 e, na de 2025, acabam de colher o primeiro Nebbiolo biológico da região (zero veneno), que será vinificado com leveduras autóctones, ou seja com fermento não industrializado, mas sim cultivado na própria vinícola. “O Nebbiolo deles é um dos melhores, senão o melhor do país”, reconhece o chef francês Benoit Manthurin, do Esther Rooftop, restaurante que se orgulha de ter uma carta de vinhos 100% do Brasil. “Respeito muito o trabalho de estudo de solos que os irmão Gustavo e Diogo estão conduzindo, com isso tenho a impressão que em 10 anos serão a vinícola mais importante daqui”, profetiza Benoit.
Provei a safra 2022 do Manus Nebbiolo Clássico e realmente ele tem a acidez que se espera da casta, e que anuncia que o vinho pode ter bons anos de guarda. Além disso, possui uma cor mais leve, delicadíssima, e uma persistência surpreendente. Tem no nariz algo de pitanga, que talvez dê um tom tropicalizado ao vinho, mas os 12 meses de carvalho francês de terceiro uso e os 14,5% de álcool estão tão bem integrados — são de uma sutiliza digna de serem notados. Um grande vinho, em resumo.

A PRIMEIRA AVALIAÇÃO NACIONAL
Outro grupo de “nebbiolo lovers” formando por 20 pessoas, entre eles produtores, técnicos e professores de enologia como Eduardo Giovannini, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia, reuniram-se com o intuito de fazer a primeira avaliação nacional da variedade no Brasil. Foram degustadas às cegas 18 amostras enviadas pelos vinícolas do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. O evento seguiu os padrões de concursos internacionais, a partir das normas da Organização Internacional da Uva e do Vinho (OIV), adotadas também pela Federazione Italiana Sommelier Albergatori e Ristoratori (Fisar) e Associação Brasileira de Sommelier (ABS).
O resultado foi uma medalha gran ouro para o vinho Corvos Anjos 2028, da Vinícola Quinta Barroca da Tília, a de ouro foi para Barone 2020, da Vinícola San Michele, e a de prata para o Nebbiolo Fontanari 2028, da Vinícola Fontanari. Os vinhos feitos pela uva famosa por ser geniosa de se cultivar, batizada porque em sua região de origem há uma “nebbia”, névoa ao amanhecer que a protege dos primeiros raios de sol e assim permite que sua maturação seja lenta e tardia, não são baratos. Os valores raramente são inferiores a R$ 200 e podem chegar a mais de R$ 500. No entanto, deixo aqui um importante aviso, prová-la pode ser um caminho sem volta.
Para quem quer buscar vinícolas brasileiras produtoras dessa casta tão especiais, uma boa fonte é o site Brasil de Vinhos, da jornalista Lúcia Porto, uma ativista do vinho nacional. Nele, há uma ferramenta de busca pelo tipo de uva, que é um verdadeiro passeio. Outra ótima fonte é o Guia Adega Brasil 2025, que separa as vinícolas por região e depois analisa e pontua os vinhos. Boa parte das vinícolas tem loja virtual e entrega em todo país.
Saúde!