Escritor e teólogo, o dominicano Frei Betto acentua que o Papa Francisco foi “o chefe de de Estado mais progressista de toda a Europa”, e completa: “E nem era europeu. Era latino-americano, argentino”. Na sua visão, o perfil da Igreja Católica atual – “um corpo conservador com a cabeça progressista” – ficou acéfalo. “Perdemos a cabeça nessa madrugada.”
A morte do Papa “é uma perda inestimável”, diz Frei Betto. O Papa que fez a primeira encíclica sobre a proteção na Natureza, queria que indígenas pudessem ser sacerdotes e quis, mas não conseguiu, que a Igreja reconhecesse o casamento homoafetivo, fazia críticas ao capitalismo sem nunca mencionar o termo. “Acreditava em outra economia possível.”
A degradação ambiental, recorda o dominicano, “não é culpa da natureza, ou de São Pedro, é culpa do capitalismo. Ele não usa a palavra, mas deixa claro. É culpa dessa estrutura econômica e social que vitimiza os mais pobres, porque são eles os mais afetados pelos desequilíbrios ambientais.”
Frei Betto espera que o sucessor do Papa Francisco – “uma figura respeitadíssima porque era um homem sem nenhuma ambição de poder” –, possa implementar as mudanças na Igreja Católica que Francisco havia iniciado. “A Igreja agora terá que encontrar alguém que dê continuidade às suas reformas”, espera.
O Conclave, acredita, será “longo e conflitivo”. Os Estados Unidos tentarão, nos próximos dias, fazer lobby por um cardeal americano, o que Betto considera muito improvável. Há oito cardeais eleitores brasileiros, outra improbabilidade. O Conclave dificilmente escolherá outro latino-americano. O teólogo acredita em um papa italiano. Lembra que o Papa Francisco fez cinco cardeais progressistas italianos, todos nomes fortes. A seguir alguns trechos da entrevista que Frei Betto concedeu ao Valor:
Defesa dos pobres e da natureza
Frei Betto: É uma perda inestimável. Francisco estava implementando reformas estruturais na Igreja Católica. Agora fica uma incógnita: quem será seu sucessor? Francisco se destacou, primeiro, por adotar o nome de Francisco de Assis. Nunca houve um Papa com esse nome na Igreja Católica. E com isso já foi norteando o rumo do seu pontificado, de defesa dos pobres e de defesa da natureza. Foi o único Papa que fez uma encíclica de proteção da natureza, a “Laudato Sí” e, ao mesmo tempo, um grande defensor dos migrantes.
Frei Betto: Sempre acentuei isso: foi o chefe de Estado mais progressista de toda a Europa. Nem era europeu, era latino-americano, argentino.
Frei Betto: Foi um homem que buscou uma alternativa ao capitalismo. Nas críticas que fazia ao capitalismo, nunca citou a palavra capitalismo. Mas falava de outra economia possível, ou seja, de um modelo pós-capitalista – que ele não definia, inteligentemente, a meu ver. Ainda assim era acusado por cardeais dos Estados Unidos, abertamente, de comunista. E era rechaçado.
Frei Betto: Francisco teve a infelicidade de pegar um triste legado de uma igreja onde a maioria de bispos e padres são da safra de João Paulo II e Bento XVI. Somados, os dois pontificados foram 34 anos. Qual o meu perfil da igreja Católica hoje? Um corpo conservador com a cabeça progressista – cabeça que nós perdemos essa madrugada. E agora vamos esperar quem vem aí. Espero que seja eleito um cardeal que dê continuidade à reforma que Francisco estava começando a implementar.
Frei Betto: O Papa era uma figura respeitadíssima porque era um homem sem nenhuma ambição de poder – aliás, ele só tinha um poder simbólico, não tinha Forças Armadas e nada que tivesse algum poder de criar dissenso no cenário internacional.
Frei Betto: Era uma unanimidade entre as pessoas bem pensantes. Aqueles que são mais conservadores tinham aversão a ele e devem estar comemorando sua morte. Uma figura de muito respeito, todos queriam encontrá-lo. A Igreja agora terá que encontrar alguém que dê continuidade às suas reformas.
Frei Betto: Acho que vai ser um conclave muito atribulado. Será conflitivo. Há oito cardeais brasileiros eleitores, mas nenhum deles tem chance. O conclave não elegeria de novo um latino-americano, isso está fora de cogitação.
Frei Betto: Acredito em um progressista italiano. Os italianos querem muito recuperar o Papado e entre eles há cinco cardeais progressistas nomeados por Francisco e que podem dar continuidade. São cinco nomes fortes: o cardeal Matteo Zuppi, de Bolonha, Giuseppe Betori, de Florença, e Francesco Montenegro, da Sicilia. Outro é o cardeal Paolo Lojudice, de Montalcino. E tem o Mauro Gambetti, que é o vigário-geral de Roma.
Frei Betto: O que preocupa é que Vance (J.D. Vance, vice-presidente dos EUA, que esteve com o Papa no domingo de Páscoa) pode inventar qualquer coisa a respeito dessa conversa. Embora os Estados Unidos tenham muito interesse em fazer o sucessor, não têm a menor chance. Agora é que farão os lobbies de pressão querendo um cardeal americano, porque depois não tem como, o Conclave é fechado. Há uma rejeição muito grande aos cardeais dos Estados Unidos. São muito arrogantes por serem a igreja católica mais rica do mundo. Todo conclave os EUA querem emplacar um deles, e não conseguem.
Frei Betto: Era o Papa que defendeu os migrantes que estão sendo rejeitados pelos governos da Europa Ocidental. Apontando nos seus pronunciamentos que os migrantes não o são porque querem, mas porque são vítimas do colonialismo europeu e têm que fazer uma opção de sobrevida. E essa opção não existe nos seus próprios países por causa dos resquícios da colonização. Então vão para a Europa e devem ser bem acolhidos. O próprio Papa foi para Lampedusa, na Sicília, conversou com os imigrantes, acolheu, pediu que cada paróquia adotasse uma família e foi atendido.
Frei Betto: E outra coisa é a questão da natureza. Fez uma encíclica, a “Louvado Seja”. Disse que a degradação ambiental não é culpa da natureza, ou de São Pedro, é culpa do capitalismo. Ele não usa a palavra, mas deixa claro. É culpa dessa estrutura econômica e social que vitimiza os mais pobres, porque são eles os mais afetados pelos desequilíbrios ambientais.
Frei Betto: Foi um fracasso. O Papa queria vários avanços, mas o Sínodo não aprovou. O Papa queria, por exemplo, que os indígenas fossem, eles mesmos, sacerdotes indígenas. Mas um indígena adulto não pode ser solteiro, ele tem que ser casado. É inconcebível ter no mundo indígena um adulto solteiro, celibatário, e isso não passou. O Papa queria abrir essa exceção. Aliás, não seria a primeira exceção na Igreja Católica. Pouca gente sabe que a Igreja Católica tem 24 ramificações, sendo 23 orientais. Nessas 23, o padre pode casar ou não. Só no segmento romano é que não pode casar. Mas mesmo no segmento romano tem padre casado, os pastores anglicanos casados que se converteram ao catolicismo e têm o direito de permanecer assim.
Frei Betto: A misoginia na Igreja é muito forte. E ele acabou cedendo, infelizmente, concordando com aqueles que acham que a mulher nunca poderá ser sacerdote. Francisco fez um movimento inicial nesse sentido, mas depois teve que aceitar a posição tradicional e oficial da Igreja.
Frei Betto: Não conseguiu também passar o casamento homoafetivo como sacramento, mas conseguiu passar como bênção. E, ao mesmo tempo, obrigou os padres do mundo inteiro a batizarem filhos de casais homoafetivos. Agora, para quem é inteligente, meia palavra basta. Eu já batizei vários filhos de casais homoafetivos. Quando você batiza um filho de casal homoafetivo, está reconhecendo a união dos pais ou das mães.
Frei Betto: Vão vir agora conchavos de todo lado para tentar emplacar o novo papa. Nenhum cardeal vai dizer que é candidato, todos são candidatos. Inclusive os não eleitores. Qualquer homem católico pode ser eleito papa. Não precisa ser padre. Vai começar essa pressão até que os cardeais sejam encerrados no Conclave. Aí a pressão cessa, porque não tem mais jeito. Ali ninguém tem acesso.
Frei Betto: Já teve conclave que durou 4 anos. Esse vai durar muito tempo. Se durar 4 semanas já é, para os tempos atuais, um período muito longo. Vai ter muita discussão.
Escritor e teólogo, o dominicano Frei Betto acentua que o Papa Francisco foi “o chefe de de Estado mais progressista de toda a Europa”, e completa: “E nem era europeu. Era latino-americano, argentino”. Na sua visão, o perfil da Igreja Católica atual – “um corpo conservador com a cabeça progressista” – ficou acéfalo. “Perdemos a cabeça nessa madrugada.”
A morte do Papa “é uma perda inestimável”, diz Frei Betto. O Papa que fez a primeira encíclica sobre a proteção na Natureza, queria que indígenas pudessem ser sacerdotes e quis, mas não conseguiu, que a Igreja reconhecesse o casamento homoafetivo, fazia críticas ao capitalismo sem nunca mencionar o termo. “Acreditava em outra economia possível.”
A degradação ambiental, recorda o dominicano, “não é culpa da natureza, ou de São Pedro, é culpa do capitalismo. Ele não usa a palavra, mas deixa claro. É culpa dessa estrutura econômica e social que vitimiza os mais pobres, porque são eles os mais afetados pelos desequilíbrios ambientais.”
Frei Betto espera que o sucessor do Papa Francisco – “uma figura respeitadíssima porque era um homem sem nenhuma ambição de poder” –, possa implementar as mudanças na Igreja Católica que Francisco havia iniciado. “A Igreja agora terá que encontrar alguém que dê continuidade às suas reformas”, espera.
O Conclave, acredita, será “longo e conflitivo”. Os Estados Unidos tentarão, nos próximos dias, fazer lobby por um cardeal americano, o que Betto considera muito improvável. Há oito cardeais eleitores brasileiros, outra improbabilidade. O Conclave dificilmente escolherá outro latino-americano. O teólogo acredita em um papa italiano. Lembra que o Papa Francisco fez cinco cardeais progressistas italianos, todos nomes fortes. A seguir alguns trechos da entrevista que Frei Betto concedeu ao Valor:
Defesa dos pobres e da natureza
Frei Betto: É uma perda inestimável. Francisco estava implementando reformas estruturais na Igreja Católica. Agora fica uma incógnita: quem será seu sucessor? Francisco se destacou, primeiro, por adotar o nome de Francisco de Assis. Nunca houve um Papa com esse nome na Igreja Católica. E com isso já foi norteando o rumo do seu pontificado, de defesa dos pobres e de defesa da natureza. Foi o único Papa que fez uma encíclica de proteção da natureza, a “Laudato Sí” e, ao mesmo tempo, um grande defensor dos migrantes.
Frei Betto: Sempre acentuei isso: foi o chefe de Estado mais progressista de toda a Europa. Nem era europeu, era latino-americano, argentino.
Frei Betto: Foi um homem que buscou uma alternativa ao capitalismo. Nas críticas que fazia ao capitalismo, nunca citou a palavra capitalismo. Mas falava de outra economia possível, ou seja, de um modelo pós-capitalista – que ele não definia, inteligentemente, a meu ver. Ainda assim era acusado por cardeais dos Estados Unidos, abertamente, de comunista. E era rechaçado.
Frei Betto: Francisco teve a infelicidade de pegar um triste legado de uma igreja onde a maioria de bispos e padres são da safra de João Paulo II e Bento XVI. Somados, os dois pontificados foram 34 anos. Qual o meu perfil da igreja Católica hoje? Um corpo conservador com a cabeça progressista – cabeça que nós perdemos essa madrugada. E agora vamos esperar quem vem aí. Espero que seja eleito um cardeal que dê continuidade à reforma que Francisco estava começando a implementar.
Frei Betto: O Papa era uma figura respeitadíssima porque era um homem sem nenhuma ambição de poder – aliás, ele só tinha um poder simbólico, não tinha Forças Armadas e nada que tivesse algum poder de criar dissenso no cenário internacional.
Frei Betto: Era uma unanimidade entre as pessoas bem pensantes. Aqueles que são mais conservadores tinham aversão a ele e devem estar comemorando sua morte. Uma figura de muito respeito, todos queriam encontrá-lo. A Igreja agora terá que encontrar alguém que dê continuidade às suas reformas.
Frei Betto: Acho que vai ser um conclave muito atribulado. Será conflitivo. Há oito cardeais brasileiros eleitores, mas nenhum deles tem chance. O conclave não elegeria de novo um latino-americano, isso está fora de cogitação.
Frei Betto: Acredito em um progressista italiano. Os italianos querem muito recuperar o Papado e entre eles há cinco cardeais progressistas nomeados por Francisco e que podem dar continuidade. São cinco nomes fortes: o cardeal Matteo Zuppi, de Bolonha, Giuseppe Betori, de Florença, e Francesco Montenegro, da Sicilia. Outro é o cardeal Paolo Lojudice, de Montalcino. E tem o Mauro Gambetti, que é o vigário-geral de Roma.
Frei Betto: O que preocupa é que Vance (J.D. Vance, vice-presidente dos EUA, que esteve com o Papa no domingo de Páscoa) pode inventar qualquer coisa a respeito dessa conversa. Embora os Estados Unidos tenham muito interesse em fazer o sucessor, não têm a menor chance. Agora é que farão os lobbies de pressão querendo um cardeal americano, porque depois não tem como, o Conclave é fechado. Há uma rejeição muito grande aos cardeais dos Estados Unidos. São muito arrogantes por serem a igreja católica mais rica do mundo. Todo conclave os EUA querem emplacar um deles, e não conseguem.
Frei Betto: Era o Papa que defendeu os migrantes que estão sendo rejeitados pelos governos da Europa Ocidental. Apontando nos seus pronunciamentos que os migrantes não o são porque querem, mas porque são vítimas do colonialismo europeu e têm que fazer uma opção de sobrevida. E essa opção não existe nos seus próprios países por causa dos resquícios da colonização. Então vão para a Europa e devem ser bem acolhidos. O próprio Papa foi para Lampedusa, na Sicília, conversou com os imigrantes, acolheu, pediu que cada paróquia adotasse uma família e foi atendido.
Frei Betto: E outra coisa é a questão da natureza. Fez uma encíclica, a “Louvado Seja”. Disse que a degradação ambiental não é culpa da natureza, ou de São Pedro, é culpa do capitalismo. Ele não usa a palavra, mas deixa claro. É culpa dessa estrutura econômica e social que vitimiza os mais pobres, porque são eles os mais afetados pelos desequilíbrios ambientais.
Frei Betto: Foi um fracasso. O Papa queria vários avanços, mas o Sínodo não aprovou. O Papa queria, por exemplo, que os indígenas fossem, eles mesmos, sacerdotes indígenas. Mas um indígena adulto não pode ser solteiro, ele tem que ser casado. É inconcebível ter no mundo indígena um adulto solteiro, celibatário, e isso não passou. O Papa queria abrir essa exceção. Aliás, não seria a primeira exceção na Igreja Católica. Pouca gente sabe que a Igreja Católica tem 24 ramificações, sendo 23 orientais. Nessas 23, o padre pode casar ou não. Só no segmento romano é que não pode casar. Mas mesmo no segmento romano tem padre casado, os pastores anglicanos casados que se converteram ao catolicismo e têm o direito de permanecer assim.
Frei Betto: A misoginia na Igreja é muito forte. E ele acabou cedendo, infelizmente, concordando com aqueles que acham que a mulher nunca poderá ser sacerdote. Francisco fez um movimento inicial nesse sentido, mas depois teve que aceitar a posição tradicional e oficial da Igreja.
Frei Betto: Não conseguiu também passar o casamento homoafetivo como sacramento, mas conseguiu passar como bênção. E, ao mesmo tempo, obrigou os padres do mundo inteiro a batizarem filhos de casais homoafetivos. Agora, para quem é inteligente, meia palavra basta. Eu já batizei vários filhos de casais homoafetivos. Quando você batiza um filho de casal homoafetivo, está reconhecendo a união dos pais ou das mães.
Frei Betto: Vão vir agora conchavos de todo lado para tentar emplacar o novo papa. Nenhum cardeal vai dizer que é candidato, todos são candidatos. Inclusive os não eleitores. Qualquer homem católico pode ser eleito papa. Não precisa ser padre. Vai começar essa pressão até que os cardeais sejam encerrados no Conclave. Aí a pressão cessa, porque não tem mais jeito. Ali ninguém tem acesso.
Frei Betto: Já teve conclave que durou 4 anos. Esse vai durar muito tempo. Se durar 4 semanas já é, para os tempos atuais, um período muito longo. Vai ter muita discussão.