A Câmara dos Comuns do Parlamento do Reino Unido aprovou nesta terça-feira a descriminalização do aborto na Inglaterra e no País de Gales para impedir que um número cada vez maior de mulheres seja investigado pela polícia por interromper gestações, com base em uma legislação de meados do século 19.
O aborto é permitido por lei na Inglaterra e no País de Gales há quase 60 anos, mas apenas até 24 semanas de gestação e com a aprovação de dois médicos. Mulheres podem ser indiciadas criminalmente se decidirem interromper a gravidez depois do limite de 24 semanas, segundo uma lei da era vitoriana que prevê pena máxima de prisão perpétua.
No Reino Unido, condenações por infringir essa lei são raras, mas o número de processos aumentou na sequência da pandemia de covid-19, quando uma mudança na legislação permitiu o uso de pílulas abortivas em casa para interromper gestações de até 10 semanas.
Em uma votação livre na Câmara dos Comuns – em que os parlamentares não são obrigados a seguir a linha de seus partidos –, uma emenda que proíbe a abertura de processos contra mulheres que interrompem gestações em quaisquer circunstâncias conseguiu a aprovação inicial por 379 votos a 137.
Mas os profissionais da área médica que auxiliam mulheres a fazer um aborto fora do limite de 24 semanas de gestação continuariam sob risco de serem processados.
A proposta ainda pode ser alterada ou até mesmo rejeitada, pois faz parte de um projeto de lei mais amplo que está em tramitação na Câmara dos Comuns e depois seguirá para a Câmara dos Lordes, cujos membros não são eleitos.
A deputada trabalhista Tonia Antoniazzi, que propôs a emenda, disse que a lei atual foi usada para investigar 100 mulheres nos últimos cinco anos, entre elas algumas que deram à luz prematuramente ou foram obrigadas a abortar por parceiros abusivos.
“Cada um desses casos é uma aberração permitida pela nossa lei do aborto ultrapassada”, afirmou ela no Parlamento. “Isso não é justiça, é uma crueldade e precisa acabar.”
A emenda votada faz parte de um projeto de lei mais amplo do governo sobre a justiça criminal que, se aprovado integralmente, alinhará as leis de aborto na Inglaterra e no País de Gales com as de outros países do Ocidente, como França, Canadá e Austrália.
Alguns políticos advertiram que a emenda proposta estava sendo aprovada às pressas no Parlamento e poderia ter consequências imprevistas.
A deputada conservadora Rebecca Paul afirmou que, “se isso se tornar lei, mulheres poderão abortar bebês completamente desenvolvidos, já no fim do período de gestação, sem nenhuma consequência”.
A emenda pretende revogar partes de uma lei aprovada em 1861, por um Parlamento então exclusivamente masculino, que considera crime a interrupção deliberada de uma gravidez e estipula que aqueles que a pratiquem podem ser “mantidos em prisão perpétua com trabalhos forçados”.
Em 1967, uma mudança nessa lei permitiu o aborto em certas circunstâncias, mas manteve a proibição criminal do século 19.
Entre 1861 e 2022, apenas três mulheres foram condenadas por aborto ilegal, de acordo com o Royal College of Obstetricians and Gynaecologists, associação profissional que trabalha para melhorar os cuidados com a saúde da mulher. Mas o grupo informou que depois de 2022 seis mulheres foram indiciadas pela polícia e uma mulher foi presa.
Em maio, a britânica Nicola Packer foi absolvida em um processo por ter tomado medicamentos abortivos que precisam de receita médica quando estava com cerca de 26 semanas de gravidez, muito além do limite legal de 10 semanas de gestação para tomar esse tipo de medicamento em casa.
Em seu julgamento, que ocorreu após uma investigação policial de quatro anos, Packer, de 45 anos, disse aos jurados que não percebeu que estava grávida há tanto tempo.
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