Esqueça procedimentos que envolvem cortes e uso excessivo de injetáveis. Nos próximos anos, a estética se aproxima do natural, e entram em cena tratamentos cada vez mais tecnológicos que não deixam sinais de intervenção Aos 69 anos, Kris Jenner, matriarca do clã Kardashian-Jenner, virou notícia depois de aparecer com o rosto totalmente repaginado durante uma viagem a Paris. O que chamou a atenção, além da sua aparência mais jovem, foi a falta de sinais, cicatrizes ou inchaço característicos de cirurgias plásticas e harmonizações faciais invasivas, que explicariam o seu novo visual. Além dela, Lindsay Lohan, Demi Moore e Donatella Versace deixaram muitos boquiabertos e se questionando: “O que elas fizeram no rosto?”. No caso de Jenner, segundo jornais norte-americanos, ela teria passado por um lifting facial profundo, uma técnica cirúrgica que atua nas camadas mais internas do rosto, reposicionando a musculatura ao invés de apenas puxar a pele, como eram feitos os primeiros liftings. Essa tendência da invisibilidade dos tratamentos já tem nome, trata-se do quiet beauty – ou, como explica o dermatologista Abdo Salomão, “uma beleza que melhora a aparência da pele e rejuvenesce, mas que não fica claro que você passou por procedimentos estéticos, porque a mudança é muito sutil”.
Há uma década, as intervenções mais desejadas eram os preenchimentos injetáveis, seja para combater rugas ou para alterar o formato do rosto. A técnica se popularizou tanto que, em pouco tempo, começamos a ver bocas muito inchadas e maxilares quadrados para todos os lados. Tudo isso gerou o chamado filler fatigue. “Passamos a ver na internet resultados ruins, exagerados. Realmente eram feitos em demasia. Hoje, usamos uma quantidade bem menor de produto. Não se busca mudar as pessoas, mas valorizá-las. Existem também outras formas de estimular a firmeza da pele que garantem efeitos estéticos satisfatórios, como os bioestimuladores de colágeno e lasers”, diz Abdo Salomão. Uma pesquisa publicada em 2023 pela Academy of Facial Plastic and Reconstructive Surgery Inc, a associação de cirurgiões plásticos dos Estados Unidos, corrobora esta percepção: “Observamos uma redução na demanda por injetáveis, já que uma das principais preocupações dos pacientes é parecerem ‘exagerados’”, diz o presidente da organização, Sherard A. Tatum, no relatório. “Veremos um foco maior em resultados naturais e um envelhecimento elegante”, completa.
Os próximos 20 ou 30 anos serão de uma beleza mais próxima do real, que valoriza traços individuais e usa menos injetáveis, resultado do avanço da tecnologia. O conceito de produtos antiaging, que prometem combater o envelhecimento, também fica obsoleto: o caminho, agora, é envelhecer devagar e da melhor forma, mantendo a firmeza e a qualidade da pele. Neste cenário, torna-se fundamental o papel da medicina regenerativa: sai de cena a preocupação com o formato do rosto e ganha espaço o rejuvenescimento celular. Ou seja, “ao invés de aumentar ou diminuir volume, nós trabalhamos para desacelerar o velocímetro da pele, tratando a qualidade das células e estimulando a produção de colágeno”, explica Salomão. Entram em cena também inteligência artificial, fórmulas hiperpersonalizadas, engenharia genética e aplicações de substâncias derivadas do próprio corpo, como sangue e gordura, além de um acompanhamento médico integrado a outras áreas da saúde, como nutrição e endocrinologia. Teremos cada vez menos procedimentos realizados isoladamente, mas verdadeiros planos de ação.
Além do facelift profundo de Kris Jenner, outros tratamentos modernos ajudam a atingir esses resultados: é o caso do microcoring, feito com laser de CO2, que remove microfrações de pele sem cortes, por isso é ideal para a área dos olhos, explica Abdo Salomão. O processo alcança resultados similares aos do peeling de fenol, que é proibido no Brasil. E também tratamentos à base de exossomos – pequenas vesículas que são liberadas pelas células e facilitam a comunicação intercelular, ou seja, carregam informações moleculares como proteínas, lipídios e até material genético entre as células do corpo, regenerando tecidos. Na prática, os exossomos reduzem inflamações, ajudam na cicatrização, uniformizam o tom e restauram a firmeza e a hidratação, além de estimular a produção de colágeno e elastina. Eles podem ser extraídos de plantas, como a cúrcuma, ou de animais. Como a extração de exossomos humanos para fins estéticos é proibida no Brasil, o material mais eficiente à disposição é o PDRN, extrato de DNA retirado dos salmões, que tem 98% de semelhança com o DNA humano e, por isso, resultados mais rápidos e visíveis. A aplicação do ativo só pode ser feita sobre a pele; injeção e microagulhamento também são proibidos no país.
O ingrediente ainda tem se mostrado eficaz no tratamento capilar. A dermatologista e tricologista Calu Franco destaca o papel dele na alopecia: “Aliar o cuidado tradicional com produtos à base de exossomos pode ajudar a regenerar células do couro cabeludo e reativar a produção dos folículos capilares”. Artigos publicados na Coreia do Sul mostram que os exossomos podem ajudar até a repigmentar fios brancos – isso ainda está em fase de estudos e carece de comprovação, mas é um bom exemplo da potência regenerativa desse ativo.
Fora das clínicas estéticas, fórmulas de cremes e séruns também avançaram. A professora Patrícia Maia Campos, fundadora do Núcleo de Estudos Avançados em Tecnologia de Cosméticos da USP, afirma que, depois dos anos 2000, houve um boom na indústria. Isso se deve, especialmente, à biotecnologia e à engenharia genética, que permite uma hiperpersonalização dos produtos a partir de informações como análise de DNA e da microbiota da pele.
“Até pouco tempo, esses produtos paravam na hidratação e nos componentes emolientes, mas agora estamos falando de uma tecnologia que coloca a pele para trabalhar, regenerando células e estimulando colágeno e elastina no dia a dia”, explica o dermatologista Rafael Tomaz, gerente médico da Galderma. É o que promete a tecnologia patenteada TriHex®1-3, presente nos produtos da marca Alastin, que chegou ao Brasil no ano passado: a fórmula à base de peptídeos permeia a pele para remover debris de colágeno e elastina velhos, contaminados pela poluição, e estimula a produção de colágeno novo. Alguns desses produtos para usar em casa têm efeitos quase tão satisfatórios quanto os procedimentos estéticos feitos em consultório. O H.A. Intensifier, da SkinCeuticals, por exemplo, promete aumentar volumetricamente a pele e gerar resultados similares, proporcionalmente, ao uso de uma seringa de ácido hialurônico injetável, apenas com uso tópico.
Os amados gadgets de beleza também ganham novas versões. Imagine um aparelho portátil capaz de analisar seu rosto e, ao mesmo tempo, processar dados genéticos para decifrar sinais de envelhecimento da pele e sugerir soluções estéticas, tudo isso em menos de cinco minutos, a partir de imagens de uma câmera de inteligência artificial e algumas gotas de saliva. O que parece engenhoca futurista é, na verdade, o presente. Trata-se do L’Oréal Cell BioPrint, que a L’Oréal apresentou em janeiro na feira Consumer Electronics Show, em Las Vegas. O Cell BioPrint ainda está em fase de teste na Ásia, mas há outras versões de assistentes virtuais de beleza disponíveis no mercado. É o caso do Micro Led Beauty Mirror, da Samsung – que analisa características da pele e oferece recomendações personalizadas, com base em algoritmo treinado com mais de 20 mil diagnósticos clínicos –, e do K-Scan, da Kérastase, que avalia o microbioma do couro cabeludo e identifica sinais de caspa, irritação, queda de cabelo e outros problemas, além de sugerir tratamentos personalizados. O viralizado Age-R Booster Pro, da Medicube, combina seis diferentes tecnologias – eletroporação, microcorrentes, estimulação elétrica muscular, LED, vibração sônica e air shot – em um pequeno dispositivo portátil, feito para ser usado em casa e ajudar a firmar a pele, atenuar rugas e minimizar poros, além de facilitar a absorção de produtos tópicos.
Em paralelo às tecnologias de ponta, o futuro da beleza caminha em direção a um olhar 360 graus sobre a saúde, apontam os especialistas. Na prática, a estética passa a andar cada vez mais alinhada a aspectos como a qualidade do sono, a redução no consumo de açúcar e a reposição de vitaminas e antioxidantes, além dos impactos dos hormônios em diferentes etapas da vida, especialmente das mulheres. Por isso, é cada vez mais comum que clínicas de dermatologia e estética tenham salas com nutricionistas e endocrinologistas – o que vai na mesma direção do conceito de proaging, ou seja, da ideia não de combater a passagem do tempo, mas os sinais negativos do envelhecimento. “A gente só consegue trazer beleza para a pele se o corpo todo estiver saudável”, diz a dermatologista e tricologista Calu Franco.
Revistas Newsletter