CCJ analisa proposta que muda Constituição e pode proibir aborto mesmo nas hipóteses permitidas atualmente. Se aprovado, texto ainda passará por comissão especial e plenários de Câmara e Senado. ‘Criança não é mãe, estuprador não é pai’, cantam ativistas na CCJ da Câmara
Manifestantes a favor do direito ao aborto legal no Brasil invadiram uma sessão da Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania da Câmara nesta quarta-feira (27).
O grupo gritava palavras de ordem como “criança não é mãe, estuprador não é pai”. Sem conseguir retirar os ativistas do local, a presidente da CCJ, deputada Caroline de Toni (PL-SC), decidiu suspender a sessão por 15 minutos.
A sessão desta terça foi convocada para votar uma proposta de Emenda à Constituição (PEC) que, na prática, proíbe o aborto no Brasil, mesmo nas situações autorizadas em lei ou pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Apresentada em 2012 pelo ex-deputado Eduardo Cunha, a PEC inclui a expressão “desde a concepção” no dispositivo da Constituição que trata dos direitos e garantias fundamentais e prevê a “inviolabilidade do direito à vida”.
Em seu parecer, a relatora da proposta, deputada Chris Tonietto (PL-RJ) votou pela admissibilidade do texto.
A sessão da CCJ começou às 11h20 e tinha a PEC contrária ao aborto como único tema na pauta. Até as 13h30, no entanto, o texto ainda não tinha sido colocado em votação.
Atualmente, o aborto é permitido em três casos no Brasil:
anencefalia fetal, quando há malformação do cérebro do feto;
gravidez que resulta de estupro;
e se a gravidez impuser risco de vida para a mãe.
Para os casos de gravidez de risco e anencefalia, é necessário apresentar um laudo médico que comprove a situação. Além disso, um exame de ultrassonografia com diagnóstico da anencefalia também pode ser pedido.
Já para os casos de gravidez decorrente de violência sexual, a mulher não precisa apresentar Boletim de Ocorrência ou algum exame que comprove o crime. O relato da vítima à equipe médica é suficiente.
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Tramitação longa
Na semana passada, um pedido de vista – mais tempo para análise do texto – chegou a adiar a votação, que foi retomada nesta quarta.
Mesmo se for aprovada na CCJ, a PEC ainda passará por uma longa tramitação. O próximo passo é o envio para uma comissão especial, que ainda será criada e terá os membros indicados pelos partidos.
Para serem incluídas na Constituição, as regras precisariam ainda ser aprovadas pelos plenários da Câmara e do Senado. Na Câmara, são necessários 308 votos favoráveis em dois turnos de votação.
Na justificativa da proposição, Cunha afirmou que o debate sobre a inviolabilidade do direito à vida não pode excluir o “momento do início da vida”.
“A vida não se inicia com o nascimento e sim com a concepção. Na medida desse conceito, as garantias da inviolabilidade do direito à vida têm que ser estendidas aos fetos, colocando a discussão na posição em que deve ser colocada”, disse o parlamentar.
Para especialistas, a aprovação do texto resultaria na revogação do direito das mulheres ao aborto nas situações já previstas no Código Penal e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF).
Outra proposta relacionada ao aborto foi alvo de discussão este ano. Em junho, a Câmara aprovou a urgência de um projeto que altera o Código Penal e equipara aborto a homicídio. Sem consenso, a votação do texto pelo plenário ainda não ocorreu.
Discussão no STF
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O aborto é crime no Brasil e a regra prevê que a mãe e os demais envolvidos no procedimento podem ser processados.
No ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar uma ação para descriminalizar o aborto feito por mulheres com até 12 semanas de gestação. A ministra Rosa Weber era relatora do processo e votou a favor da descriminalização.
O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, pediu destaque no julgamento e a votação foi suspensa.
Em fevereiro deste ano, Barroso disse em entrevista que o STF não julgará a ação neste momento. Para ele, não cabe neste momento ao Supremo decidir sobre uma prática que a maioria da população é contra e o Congresso também expressa esse sentimento.
O presidente disse, no entanto, que criminalizar a prática “é uma péssima política pública”, porque “obriga mulheres pobres a fazerem procedimentos rudimentares e se automutilarem”.